Artur Bellini: Dossiê sobre Guto Ferreira

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Foto: Divulgação 


Guto Ferreira. Este é o nome preferencial para o comando do Inter após a queda de Antonio Carlos Zago. Venho aqui então para dissecar seu trabalho, tentado quebrar um pouco desse discurso resultadista e explicar de maneira prática o porquê desde ser o momentâneo favorito ao cargo de comandante do vestiário colorado. Antes de mais nada gostaria de avisar que tentei explicar da maneira mais didática possível os mecanismos citados no texto e deixo a cargo do leitor se sentir confortável com alguns termos e expressões, creio que a nomenclatura pouco importa, o objetivo aqui é focar no entendimento e não em rebuscar o já complexo futebol. 


Apesar dos mais de 20 anos no meio, Guto só foi aparecer no meu radar em 2012, em um campeonato paulista, a cargo do pequeno Mogi Mirim. Um time organizado, que primava sobre tudo pela compactação, mas muito dependente de jogadas aéreas e sua figura referencial, na época, o ainda desconhecido, Hernane “Brocador”. Após o sucesso no interior paulista o treinador acumulou diversos trabalhos positivos, passando por Ponte Preta, Portuguesa, no fatídico ano do rebaixamento nos tribunais, Figueirense, Ponte novamente e, mais recentemente, Chapecoense e Bahia.

Há em todos os trabalhos algumas características em comum. Começaremos pela parte ofensiva dos times de Guto Ferreira.

Esquema Ofensivo:

O que vemos aqui é um 4-2-3-1 bastante movediço, com muitas trocas de posição na última linha de meio, principalmente entre os meias laterais e a figura central do ataque. Uma confusão que pode-se cometer ao ver seus times em campo é quanto a diferença prática entre o 4-2-3-1 aplicado por ele com um 4-3-2-1, como o aplicado pelo Zago. Guto gosta de colocar seu meia central uma linha atrás de seus meia extremos, garantindo assim campo e tempo para a figura mais cerebral conseguir articular e da mesma forma ajudar na saída de bola. Os volantes por sua vez alinham atrás desse homem, o produto final é um time com três camadas de meio e bastante complexidade em sua mecânica de transição. Sua última linha é formada por um centroavante referencial, isto é, um homem de presença física. Com capacidade de ganhar tanto na bola aérea quando recuar para combinação de jogadas.

Exemplo visual do 4-2-3-1 com três camadas de meio, aplicado, por exemplo, no Figueirense.

Mecânica Ofensiva:


Começaremos então pela saída de bola. Há treinadores, como Marcelo Oliveira, que preferem uma abordagem imediatista deste mecanismo, fazendo uso de artifícios mais baseados na tentativa e erro, como as ligações diretas e jogadas preferencialmente apoiadas sobre os laterais. Guto não costuma aplicar tais métodos, seus times têm, e isso me chama bastante atenção, um grande repertório quando o assunto é transição. O primeiro e talvez mais moderno artifício é a “Saída em 3”. Esse é o ato do seu primeiro volante recuar entre os zagueiros formando uma linha de três homens, isso garante a possibilidade de triangulações nesta faixa de campo, principalmente quando um interno, podendo ser o segundo volante ou o meia central, também recua uma linha criando ainda mais alternativas de passe, e quanto mais alternativa, mais segurança. Outra característica positiva desde método é a saída dos laterais para o campo ofensivo, com três homens as suas costas os dois laterais tem liberdade de avançar ao campo, o resultado final é uma equipe bem aberta, com bastante amplitude e opções laterais e um meio menos povoado pelo adversário, graças a necessidade eminente de se marcar as pontas do gramado. Os volantes e meias internos, então, tem o miolo livre pra flutuar.



Exemplo visual da ‘Saída em 3″, na imagem, o próprio Inter do Zago fazendo uso do mecanismo.

Além da “Saída em 3” o treinador já implementou o uso do homem de criação como “regente”, dependendo das características da partida, neste caso o meia central retorna ao campo defensivo e se torna uma opção de passe, mantendo a sua volta os dois volantes, que lhe garantem segurança, caso perca a posse e se tornam opções rápidas de passe em caso de pressão adversária.


Quando o assunto é mecanismo ofensivo a complexidade continua, seus times possuem intensa troca de posições, os meias externos podem tanto infiltrar, fazendo o serrote e aparecendo dentro da área como combinar com os laterais que graças a transição se fazem bastante presentes neste setor. Não há muita retenção de bola, e esse é um fator a ser analisado, Guto nunca possuiu um time com obrigação de segurar a posse, seus times apesar de não serem reativos, sempre jogam um jogo baseado em posicionamento e ganho da primeira dividida, explico mais tarde na parte defensiva do texto. Por não reter a bola seus comandados acabam forçando jogadas em velocidade, de maneira organizada, mas bastante lateralizada, a bola aérea é constantemente utilizada, explicando assim o fato da última peça ser sempre um atacante referencial. Mas não é só de cruzamentos que vive o “Gordiola” a infiltração pelo centro do campo também acontece, principalmente quando com a bola. Em lances de contra-ataque seus times priorizam a lateralização do jogo, mas quando com a bola trabalhada o centro do gramado é de imensa importância, jogadas de triangulação e infiltração são recorrentes, elas ocorrem com a aproximação dos homens de lado e do avante ao meia interno, permitindo combinação e troca de passes rápidos. São equipes movediças, com alternativas tanto internas quando externas de jogo, isso sempre depende das condições de jogo. Com a bola a prioridade é interna, em lances mais verticais e velozes a prioridade é externa.

Esquema Defensivo:
Guto Ferreira aplica um 4-4-2 na parte defensiva do jogo, formando assim duas linhas de marcação, uma maneira bastante utilizada de marcação, mas que ganha complexidade quando se entende a variação no posicionamento da mesma.

Mecânica Defensiva: 


Aqui vemos o que antes prometi explicar, a marcação zonal variável e talvez o grande legado de Tite ao trabalho de Guto. Um método muito utilizado por Tite é a adaptação do posicionamento ao adversário. Seus times são capazes de aplicar uma marcação em bloco alto, forçando de maneira agressiva a saída de bola de seus rivais, ou em bloco médio, preenchendo espaços e forçando o erro adversário, isso vai depender da qualidade e das condições da partida. O bloco alto é simples de se explicar, é a marcação mais agressiva, pressionando zagueiros e goleiro com seus homens de frente. Quando com Aguirre o Inter marcava sempre em bloco alto, independente do adversário, o que levava a exaustão rápida dos atletas e algumas dificuldades com equipes mais bem treinadas, isso evidencia a necessidade da variação de estilos. Guto, como ex-pupilo do hoje treinador da seleção brasileira, parece ter acrescentando isso ao seu estilo de comando. Um excelente exemplo de como a marcação em bloco médio funciona pode ser observada neste último jogo contra o Botafogo. O Bahia sabia da capacidade de contra-ataque do time comando pelo excelente Jair Ventura, tendo isso em mente os baianos marcaram no bloco médio, quebrando assim o contra-ataque veloz e explorando a principal dificuldade do time carioca, a combinação de meio, fazendo com que a primeira sobra sempre seja sua.


Exemplo visual da marcação em bloco médio, matando espaços e forçam erro adversário.

Anímico:
Na parte anímica vemos mais uma influencia do Adenor em Guto Ferreira, apesar da longa carreira o treinador sabe de todas as dificuldades de se motivar um elenco. Tite ao detectar isso procurou se aperfeiçoar na área da neurolinguística, para daí obter capacidade motivadora e, de maneira didática, promover o entendimento de suas idéias por parte do grupo de jogadores. Guto não possui o mesmo conhecimento do ex-treinador colorado, mas para suprir essa carência o técnico tem em sua comissão um coaching, profissional encarregado de ajudar na motivação, entendimento e solução prática de diversos problemas internos. Junto com mais um preparador físico e dois assistentes esse forma a comissão encarregada de auxiliar o treinador.

Não importa por onde observe, o trabalho de Guto Ferreira me parece completo e pronto para uma experiencia mais complexa e arriscada, creio que dos nomes especulados este seja o mais interessante, cabe agora ao Inter observar este cenário e fazer a escolha certa sobre aquele que pode ser o fator diferencial dentro do atual elenco colorado.

O objetivo desde post é salientar as principais virtudes e características daquele que pode vir a ser o treinador do Inter, nada do que foi falado precisa necessariamente acontecer no Beira Rio, este é somente um texto de análise. No futebol nem sempre o teórico se torna prático, mas isso é assunto pra outro texto, espero ter agregado conhecimento aqueles que chegaram até aqui. Sei que nem sempre analises complexas são fáceis de se digerir mas temos que procurar entender todos os meios que fazem do futebol um dos esportes mais complexos do planeta. Fica aqui também o agradecimento a alguns perfis do Twitter e de outros sites que me serviram de inspiração para a analise, são eles o @BolivarSilveira e o @linhaalta no Twitter e o canal Painel Tático no YouTube.

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