Artur Bellini: Teus Braços Apontam os Céus

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Hoje eu choro pequeno, choro com olhos inocentes, com os
olhos que tinha em 2006.

7 de
junho, um dia vermelho. Da madrugada reveladora, as correntezas de luto que
percorriam Porto Alegre, em meio a tudo isso, dentro de casa, o nó na garganta
e as lágrimas contidas estabeleciam aquela que seria a minha primeira perda. O
brilho da televisão era negro, as vozes que no rádio ecoavam eram marchas fúnebres,
se alguma vez vi Porto Alegre cair de joelhos e chorar foi naquele momento. Eram
milhares de agonizantes, de faces confusas e da sensação de que após tantas
vitórias nós finalmente perdemos, naquele momento caímos.

Um
ídolo é uma figura engraçada, de certa forma ele muda toda a sua maneira de
pensar e ver o mundo, mesmo, muitas vezes, sem nunca te conhecer. Eu sempre
tive meus ídolos, pessoas as quais recorria quando tudo era complicado, das
quais um mero gesto significava tudo, o reflexo de um chute a uma letra de
música, ídolos são assim, na simplicidade de seus movimentos dorme pulsante
nosso desafogo. Como todo colorado tive muitos ídolos na década que se passou,
me acostumei com cada um deles, com as peculiaridades de todos e tentei dali
formar parte do que sou hoje, mas tenho certeza que ninguém me marcou mais do
você. Fernandão, este texto é uma carta aberta à você.

 Em 2006
eu, ainda criança, vi a América receber tons de vermelho, tons estes que jamais
haviam sido pintados antes. Me lembro daquela noite como se fosse hoje, eu e
meu pai a frente da televisão, prontos para passar juntos por uma tortura que
colorado algum havia passado anteriormente. E como foi dolorido, como foi agonizante,
mas soube que as costas de meu capitão brilhava um nove que jamais me
abandonaria, a ele me agarrei e com ele sorri. Vi meu pai chorar as vitórias
que nunca havia tido, vi de seus ombros saírem o peso dos anos de espera, senti
um calor que nunca havia sentido, era euforia, eram lágrimas felizes, era você,
de braços erguidos ao céu, em suas mãos a personificação de minhas angustias e
dos anos de reclusão.  Olhei para ti, na
tela curvada de minha televisão de tubo, e agradeci.

Os anos
passam rápido, mas aquele foi diferente, nós só queríamos novembro, nós só
falávamos japonês, em nossas cabeças morava o temor daquele que talvez tenha
sido o jogador mais dominante da história. Nosso adversário parece ter sido
escolhido a dedo, ele tinha um prêmio dourado, havia batido os melhores e
dentre eles prosperado, mas a sensação de que a nove não me falharia continuava
em mim. Nos jornais Ronaldinho era rei, seus dribles, cada vez mais inexplicáveis,
estampavam minha memória e desenhavam em minha garganta um nó assustador. Senti
que meu peito não aguentaria, temi por uma Goethe silenciosa, por um telão
pintado com a obviedade de uma história já traçada mas você me provou que tudo
poderia ser diferente, que o pequeno pode sim se fazer grande, perante a camisa
mais tradicional da história seu braços novamente apontaram o céu, seu grito
mais uma vez me fez chorar, você naquele momento me deu algo que jamais
esperei, por ao menos um dia, o mundo nos pertenceu e a ti agradeci novamente.

Agora o
tempo volta a passar rápido, os anos voam, os ídolos mudam, ninguém te
substitui. Houveram novas conquistas, novos gritos, mas nenhum daquele tamanho,
nenhum foi tão grande quanto a sensação de ver meu pai chorar, nenhum foi tão
intenso quanto ser dono do mundo. Mas a vida não é só feita de alegrias, e novamente
você volta para me lembrar disso. Soube que gostavas de pescar, que aquilo te
divertia. Soube que o interior de Goiás tinha suas belezas e que ali era teu
lugar sagrado, nada disso diminuiu a sensação de vazio, mas espero realmente
que teus últimos momentos tenham sido, ao menos, felizes.

 Eu
acordo e me deparo com minha mãe chorando, em frente a televisão, novamente sua
imagem a estampa e provoca emoções, dessa vez não de alegria. Ao saber fiquei
gelado, um calafrio rápido percorre meu corpo, o corredor que da no meu quarto
alongasse, era interminável, no final dele a verdade me esperava. Ligo o
computador, tem de ser mentira, tem que ser engano. O reflexo foi entrar no primeiro
site, em outro, e no próximo, todos com a mesma manchete, todos confirmam a
mesma noticia. Não era mentira, não era engano, novamente teus braços apontados
para os céu, novamente as lágrimas em meu rosto, mas dessa vez o nó na garganta
não passou.

 Porto
Alegre aos poucos acorda, o Twitter começa sua polvorosa matinal, por todos os
lados pipocam as primeiras reações, ninguém sabe ao certo o que se passa,
naquele momento o escopo do que acabou de acontecer é desconhecido. Aos que choram
as ruas pareciam ser amigáveis, um a um vamos andando, todos com o mesmo
destino em mente, quase que inconscientemente pensamos o mesmo. Saio de casa,
estou longe do Beira Rio, mas ao meu lado há outros, que na mesma situação
estão. Vou andando, no caminho processando tudo, encontro amigos e conhecidos a
cada esquina, as vozes se misturam, as cantigas começam, todos agora cantam,
meu temor pelo silêncio não existe mais, agora somos canção. Brancos, pretos,
crianças, idosos, mulheres e homens, todos juntos, sem preconceito, sem ódio,
nós caminhamos. Chegando próximo ao Beira Rio as orações se tornam constantes,
cada qual com sua crença sofre contido tua perda. Lá olho pro estádio e penso
em tudo que ali vivi, sob milhares de vozes eu me calei e só lembrei, ali a
ficha caiu, ali tive certeza que não havia volta, estávamos sozinhos, ali me
despedi e agradeci.

Quero
que saiba que se pudesse teria te idolatrado mais, quero desculpar-me por não
ter vivido tão intensamente nossos momentos juntos, mas quero principalmente te
agradecer pelo nosso último momento. Quem foi as ruas naquele dia sabe o quão
arrebatador era aquela situação, o quão único foi aquele dia, sinto que ali,
graças a ti, vivi um de meus momentos mais belos, a tragédia fez daquelas horas
um quadro escuro, melancólico, e triste, mas ali aprendi que há beleza no
sofrimento, que aquela união era nosso ultimo título, que aquele era mas um de seus
erguer de braços rumo aos céus.  Aqueles
minutos em frente ao Beira Rio estarão em minhas memórias para sempre e por
isso lhe agradeço.

Obrigado Fernandão. Meu eterno capitão.


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